sábado, 2 de abril de 2011





O Indivíduo na Sociedade
Emma Goldman

A dúvida reina no espírito dos homens, porque a nossa civilização treme nas suas bases. As instituições atuais não inspiram mais confiança e os mais inteligentes compreendem que a industrialização capitalista vai ao encontro dos próprios fins que ela entendeu empreender.
O mundo não sabe como sair disso. O parlamentarismo e a democracia fraquejam e alguns acreditam encontrar uma salvação optando pelo fascismo ou por outras formas de governos fortes.
Do combate ideológico mundial sairão soluções para os problemas sociais urgentes que
se colocam atualmente (crises econômicas, desemprego, guerra, desarmamento, relações internacionais, etc.). Ora, é destas soluções que dependem o bem estar do indivíduo e o destino da sociedade humana.
O Estado, o governo com as suas funções e poderes, torna-se assim o centro de
interesses do homem que reflete. Os desenvolvimentos políticos que se têm dado em todas as nações civilizadas levam-nos a colocar estas questões: Queremos um governo forte? Deveremos preferir a democracia e o parlamentarismo? O fascismo, de uma forma ou de outra, a ditadura quer seja monárquica, burguesa ou proletária - oferecerão soluções para os males ou para as dificuldades que assaltam a nossa sociedade? Por outras palavras, conseguiremos fazer desaparecer as taras da democracia com a ajuda de um sistema ainda mais democrático, ou antes, deveremos resolver a questão do governo popular com a espada da ditadura? A minha resposta é: nem com um nem com a outra.


Eu sou contra a ditadura e o fascismo, oponho-me aos regimes parlamentares e às chamadas democracias políticas. Foi com razão que se falou do nazismo como de um ataque contra a civilização. Poder-se-ia dizer o mesmo de todas as formas de ditadura, de opressão e de coação. Vejamos, o que é a civilização? Todo o progresso foi essencialmente marcado pelo aumento das liberdades do indivíduo em desfavor da autoridade exterior tanto no que respeita à sua existência física como política ou econômica. No mundo físico, o homem progrediu até submeter às forças da natureza e utilizá-las em seu próprio  proveito.  O  homem  primitivo   os  seus  primeiros  passos  na  estrada  do progresso assim que consegue fazer brotar o fogo, reter o vento e captar a água, ultrapassando-se a si próprio.
Que papéis tiveram a autoridade ou o governo neste esforço de melhoramento, de
invenção e descoberta? Nenhum, ou antes, nenhum que fosse positivo. É sempre o indivíduo que consegue o êxito, apesar, geralmente, das proibições, das perseguições e da intervenção da autoridade, tanto humana como divina.
Do mesmo modo do domínio político, o progresso consiste em afastar-se cada vez mais
da autoridade do chefe da tribo, do clã, do príncipe e do rei, do governo e do Estado. Economicamente, o progresso significa mais bem-estar para um número sempre crescente. E culturalmente, é o resultado de tudo o que se consegue para, além disso, independência política, intelectual e psíquica cada vez maior.
Nesta perspectiva, os problemas de relação entre o homem e o Estado revestem um significado completamente novo. Não se trata mais de saber se a ditadura é preferível à democracia, se o fascismo italiano é superior ou não ao hitlerismo. Uma questão muito mais vital se coloca, então, a nós: o governo político, o Estado, será proveitoso à humanidade e qual é a sua influência sobre o indivíduo?


O indivíduo é a verdadeira realidade da vida, um universo em si próprio. Ele não existe em função do Estado, ou de esta abstração que se chama sociedade ou nação, e que não é outra coisa senão um amontoado de indivíduos. O homem foi sempre, é necessariamente, a única fonte, o único motor de evolução e de progresso. A civilização é o resultado de um combate contínuo do indivíduo ou dos agrupamentos de indivíduos contra o Estado e até contra a sociedade, isto é, contra a maioria hipnotizada pelo Estado e submetida ao seu culto. As maiores batalhas a que o homem se entregou foram contra os obstáculos e as desvantagens artificiais que ele próprio criou e que lhe paralisaram o seu desenvolvimento. O pensamento humano foi sempre deturpado pelas tradições, os costumes, a educação mentirosa e injusta, distribuídos para servir os interesses dos que detêm  o  poder  e  gozam  de  privilégios;  isto  é,  para  servir  o  Estado  e  as  classes dominantes. Este conflito incessante dominou a história da humanidade.
Pode dizer-se que a individualidade é a consciência do indivíduo de ser o que é, e de
viver esta diferença. É um aspecto inerente a todo o ser humano e um fator de desenvolvimento. O Estado e as instituições sociais fazem-se e desfazem-se, enquanto que   a   individualidade   permanece   e   persiste.   A   parte   central   da   essência   da individualidade é a expressão, o senso da dignidade e da independência, eis o seu terreno predileto. A individualidade, não é o conjunto de reflexos impessoais e mecânicos que o Estado considera como um “indivíduo”. O indivíduo não é somente a soma da hereditariedade e do meio ambiente, da causa e do efeito. É isso, mas também muito mais. O homem vivo não pode ser definido; ele é fonte de toda a vida e todos os valores, ele não é uma parte disto ou daquilo; é um todo, um todo individual, um todo que evolui e se desenvolve, mas que permanece, entretanto, um todo constante.

De Pensadores Anarquistas – Militantes Libertários / Arquivo de História Social Edgar Rodrigues

Disponivel na integra em: http://anarcopunk.org/biblioteca/